Texto décimo segundo
A adolescência despontou bizarra dentro dele. Nunca se lhe esbugalharam os olhos diante das formas curvilíneas das raparigas sobre quem, de resto, exercia o curioso fascínio de um aconchego emocional. Elas apreciavam a simplicidade viril do seu cavalheirismo polido, ele dispensava-lhes um modo outro de amizade, feita de consideração e escuta. Revelava-lhes o altruísmo na idade em que ser egoísta é tão natural como as borbulhas no rosto. Amou e quis ser amado, mas só quando descobriu um espírito sublime num corpo recatado de mulher.
A adolescência despontou bizarra dentro dele. Cresceu numa desarmonia de membros, mas expandiu para dentro uma grandeza maior, vislumbrou um mundo interior mais infinito que o universo que aprendia nos bancos da escola. Sem saber que nome lhe dar, chamou alma a essa plenitude. Mas era um termo castrado ainda, porque herdara uma infância de mãos postas e não descobrira ainda o imenso lago filosófico onde haveria de mergulhar depois.
A adolescência despontou bizarra dentro dele. Descobriu-se a olhar sempre para dentro das coisas, dos momentos, dos seres. E não sabia porquê.
Só mais tarde, na sábia distância do tempo e no vislumbre lúcido da memória, percebeu. Recordou os aniversários em que o seu pai o tirava de casa e o soltava nas salas forradas de livros da grande livraria. Ali, varrendo com o olhar as lombadas na possibilidade de escolher o que quisesse – era essa a sua prenda de anos – experimentou inigualáveis êxtases de identidade, desafio, liberdade e sentido. Ali, pela mão do seu pai, descobriu um mundo de fascínio de que soube revestir-se como de um casulo.
Foi nesse casulo que eu nasci. Fui a melhor prenda de anos que o seu pai lhe deu.