Sempre andou sozinho. Ensimesmado, de poucas falas, desde a adolescência o apontaram como antissocial, acusavam-no de sobranceria nas relações, diziam que era seletivo nas amizades e egoísta nas conversas. Não sabiam. Ninguém vislumbrava a sólida altura do muro de inibições que o vedavam ao exterior, a luminosa extensão do deserto interior onde se perdia, feliz. O silêncio.
Sempre andou sozinho. Raramente ia a festas, rejeitava boémias noturnas, nunca soube manter convívios de circunstância. Abandonava-se por dentro numa transcendência que crescia à medida do seu abandono, caminhos cruzados de aridez e viço pelos quais se descobria em tudo o que era, que sonhava e não conseguia, que conseguia para lá dos sonhos, que esperava e não vinha, que vinha sem esperar. Que acreditava. E era feliz, porque acreditava. O silêncio.
Sempre andou sozinho. Parecia fechado em si próprio, mas não. A janela aberta do seu olhar rasgava-se em muda comunicação. Ele inundava-se dos outros que muito observava, irradiava-se todo numa cintilação consistente e brilhante que a todos confundia. Porque não parecia, mas era. Feliz. O silêncio.
Sempre andou sozinho. E agora, isolado como todos, não estranha. Não lhe pesa o afastamento forçado por barreiras ocultas. Não se sente vazio, a densa transparência em que se fez ocupa-o todo. Não se sente distante, os longos braços ocultos que sempre estendeu aos outros que amava sem mostrar esticam-se mais ainda, na prece que, sereno, murmura por eles, que não escutam, na intenção em que todo se apaga por eles, numa imolação feliz que não veem. O silêncio.
Sempre andou sozinho Só que não. Anda consigo, cada vez mais. E com Ele, transcendência que o habita. No silêncio.