Gosto do Sorriso. Das cores do arco-íris após a chuva cinzenta, da brincadeira inocente e do canto simples para quem quiser ouvir. Gosto da boa disposição por nada e da esperança porque sim.
Sou da Liberdade. Da boa-vontade descontraída e da mão que se abre em acenos, da lealdade franca e do compromisso voluntário, avesso a estratagemas e falsos respeitos. Sou do alinhamento intrínseco com a verdade, único caminho que liberta.
Amo a Beleza. A peregrinação interior em busca dessa harmonia essencial transbordante, a procura do que é belo ou a invenção dele. Amo os olhos fechados no embalamento de uma sinfonia ou de uma toada de morna. E amo abri-los para contemplar montanhas verdejantes, um seixo lavado pela corrente ou telas pintadas sob qualquer ordem de formas e cores.
Sorriso, Liberdade, Beleza. De tudo isso (e muito mais!…) é feito Sapataria e Outros Caminhos de Pé Posto, o mais recente livro de contos de Luísa Fresta. Por isso, gosto e sou muito dele, amo-o. Adquirir um livro e mergulhar na sua leitura é tornarmo-nos parte dele, pertencermos-lhe mais do que fazê-lo nosso. (Mormente se foi escrito por alguém que nos é querido.)
Sapataria e Outros Caminhos de Pé Posto é uma obra sorridente no quotidiano quase ingénuo das histórias que conta, livre na despretensão provocadora com que as expõe, bela no uso simples e cuidado que faz da língua portuguesa para dizê-las. Sou daí muito, também: a amplitude de vocábulos como ingredientes variados, a consistência das frases apuradas no lume brando de uma elevada exigência, os recursos estilísticos como condimentos exóticos. Além de tudo, ler Sapataria e Outros Caminhos de Pé Posto é apreciar a delícia de uma prosa corretíssima e rica, saborosa por isso.
Por exemplo:
«[…]
― Pode-se? Só queria tomar um café. Não sei se já estão abertos.
O homem sorri gengivas descarnadas enquanto centenas de pequenas pregas de pele se juntam em torno dos seus olhos muito claros. Coxeando, entra por uma porta maciça de madeira, entreaberta, e segundos depois aparece uma velha senhora resplandecente esfregando as mãos molhadas num avental de ganga cheio de assinaturas, como se fosse um grafíti.
― O café ainda não está pronto. Mas se esperar um bocadinho…
Assinto e recosto-me numa espreguiçadeira, recolhendo ao acaso um livro dos muitos alinhados sobre uma fileira de tijolos perfurados de onde pende, muito verde, folhagem de avencas e outros fetos.
[…]» (Excerto de «Sou desse Barro», in Sapataria e Outros Caminhos de Pé Posto.)
Como não querer ler?…